Apeteceu-me...
relembrar outros tempos, outros lugares - Matacuane, porque ao fim de algumas décadas voltei a estar com o Mia Couto.
Nascidos (no mesmo ano) e criados na cidade da Beira, juntos na mesma rua, vizinhos de brincadeiras, na nossa terra - Moçambique.
Para ti, esta linda flor eu ofereço, Mia.
Como foi bom o reencontro!!!

A BEIRA
MINHA ÁGUA NATAL
Me recordo da minha cidadezinha como um lugar de infância chapinhada, um lugar onde o próprio tempo transpirava.
O mar não nos tocava apenas como margem do nosso pequeno mundo.
O mar vinha de baixo, fluía entre os poros da terra, como um suor imenso.
E tanto éramos feitos de líquido que ainda hoje eu creio não ter terra-natal.
A Beira é minha água-natal.
E cada casa era como asa tombada no pântano, se afundando ao peso de sua
própria ousadia de existir. Ser obra de gente ali onde tudo se afunda, é produto de esforço, vitória do homem sobre os regimes do mundo.
Em volta tudo nos lembrava que a cidade não era natural do lugar. Os imensos
arrozais, em redor, vincavam a solidão da urbe. De tanto viver nessa liquidez nunca cuidei de aprender a nadar. Era como se fosse habilidade que deveria aflorar em mim como cauda de girino. E é como se me faltasse hoje competência para navegar entre lembranças desenhadas a linhas de água.
E cada casa era como asa tombada no pântano, se afundando ao peso de sua
própria ousadia de existir. Ser obra de gente ali onde tudo se afunda, é produto de esforço, vitória do homem sobre os regimes do mundo.
Em volta tudo nos lembrava que a cidade não era natural do lugar. Os imensos
arrozais, em redor, vincavam a solidão da urbe. De tanto viver nessa liquidez nunca cuidei de aprender a nadar. Era como se fosse habilidade que deveria aflorar em mim como cauda de girino. E é como se me faltasse hoje competência para navegar entre lembranças desenhadas a linhas de água.
Na minha cidade a gente pisava o chão e não sentia estremecimento de macho. Por baixo do passo não havia senão o breve arrepio, o frágil suspiro.
Porque, de tenra e deitada, a terra semelhava estar nua.
Assim, despida, era mulher que se afeiçoava não apenas ao corpo mas a toda a nossa vida.
Trago a minha cidade como uma lágrima, uma sobra de mar espreitando a janela da saudade.
MIA COUTO