27/06/08

Apeteceu-me...

Apeteceu-me...
relembrar outros tempos, outros lugares - Matacuane, porque ao fim de algumas décadas voltei a estar com o Mia Couto.
Nascidos (no mesmo ano) e criados na cidade da Beira, juntos na mesma rua, vizinhos de brincadeiras, na nossa terra - Moçambique.
Para ti, esta linda flor eu ofereço, Mia.
Como foi bom o reencontro!!!


A BEIRA

MINHA ÁGUA NATAL

Me recordo da minha cidadezinha como um lugar de infância chapinhada, um lugar onde o próprio tempo transpirava.
O mar não nos tocava apenas como margem do nosso pequeno mundo.
O mar vinha de baixo, fluía entre os poros da terra, como um suor imenso.
E tanto éramos feitos de líquido que ainda hoje eu creio não ter terra-natal.
A Beira é minha água-natal.
E cada casa era como asa tombada no pântano, se afundando ao peso de sua
própria ousadia de existir. Ser obra de gente ali onde tudo se afunda, é produto de esforço, vitória do homem sobre os regimes do mundo.
Em volta tudo nos lembrava que a cidade não era natural do lugar. Os imensos
arrozais, em redor, vincavam a solidão da urbe. De tanto viver nessa liquidez nunca cuidei de aprender a nadar. Era como se fosse habilidade que deveria aflorar em mim como cauda de girino. E é como se me faltasse hoje competência para navegar entre lembranças desenhadas a linhas de água.
Na minha cidade a gente pisava o chão e não sentia estremecimento de macho. Por baixo do passo não havia senão o breve arrepio, o frágil suspiro.
Porque, de tenra e deitada, a terra semelhava estar nua.
Assim, despida, era mulher que se afeiçoava não apenas ao corpo mas a toda a nossa vida.
Trago a minha cidade como uma lágrima, uma sobra de mar espreitando a janela da saudade.
MIA COUTO

13 comentários:

®efeneto disse...

Depois de um período de colocação de ideias e palavras em dia, estou de volta às visitas regulares. Ficam aqui palavras e um convite. Voltarei.
Beijos e abraços para passarem um fim-de-semana na companhia da família ou da sua própria.
***
Quem passa por mim
não vê
que homem aqui chegou,
só viu matéria por fora
por dentro nem se lembrou.
Só quero ser, por ora,
um homem que sabe amar,
solitário na solidão
sem inspirar comiseração.
Não me afundarei
em qualquer rio revoltoso.
Nenhuma onda ou túnel
escurecerão a minha vontade.
Sou eu, inteiro e sem ódios
que o meu coração não guarda.
Serei amanhã o que for
com os amigos em meu redor.

**
Se quiser passar um fim-de-semana com letras, leia a:
H¡S†Ö®¡Ä ÐÄ MËN¡NÄ †®¡S†Ë

Paula Raposo disse...

Uma homenagem justa à excelência de Mia Couto! Beijos.

papagueno disse...

Nem de propósito, hoje mesmo comprei "Venenos de deus remédios do diabo" o seu último livro. Se soubesse tinha pedido uma dedicatória ;)
Bjks

Zé Povinho disse...

Por diversas vezes me desencontrei com o Mia nestes últimos anos, e muitas vezes recordo as amenas conversas no recreio do Liceu Pêro de Anaia, onde tínhamos opiniões quase sempre contrárias e discussões interessantes.
Pois é, também fomos da mesma turma.
Não morei em Matacuane, a não ser depois de casar, no prédio da Auto-Beira.
Por hoje chega de memórias, ainda que boas.
Bfds
Cumps

Zé Povinho disse...

Logo que acabei de escrever vi a asneira, eu morei no Esturro na Auto-Beira, e não em Matacuane. Isto é defeito do distanciamento que criei entre o passado e presente.
Abraço do Zé

Rosa dos Ventos disse...

Gosto do Mia Couto!
Sorte a tua por o conheceres tão de perto.
Gosto de Martinho da Vila, é ele não é?
E gostei da tua visita!

Abraço

Jorge P. Guedes disse...

O Mia Couto é um grande escritor, seja em verso ou em prosa.

Um abraço, Tulipa.

Jorge P.G.

Angel disse...

Sendo honesta não conheço, nem me lembro de ouvir falar dele, mas amei o poema que escreveste dele. Cada um tem a sua terrinha como um lugar unico. E ele soube falar muito bem da dele. Também sinto o mesmo mas do meu Portimão. Que saudades. Bjs prima.

José Lopes disse...

Com um cheirinho a Chiveve até eu recordei umas coisas boas.
Boa semana
Cumps

Daniel Aladiah disse...

Quando temos histórias que valem a pena recordar...
Um beijo
Daniel

Anónimo disse...

Adoro Mia Couto. Adoro flores e ia até Moçambique...

Recordar é bom.
Quem sabe se não vou até à Moita.
Bjs

Filoxera disse...

Um regresso ao passado, em boa companhia: maravilhoso!

Alexandre disse...

São estas recordações que dão algum sabor à vida!

Parabéns por te lembrares de factos tão importantes e tão simbólicos.

Muitos beijinhos!!!